Siga em frente
Tijolos e blocos rachados formavam uma estrada sem fim diante de mim, enquanto uma massa muito escura e vazia se encontrava as minhas costas, o lugar de onde eu tinha vindo. Pedras e blocos de madeira flutuavam aqui e ali, como se estivessem congelados após serem arrancados do chão por algum tipo de explosão. Tubos enormes complementavam esta estreita e vazia estrada, e havia vários buracos ao longo do caminho, revelando algumas quedas obscuras aparentemente sem fim.
Porém, não foi esta paisagem sobrenatural que me encheu de horror. Enquanto ela rangia e cansava as forças de minha consciência... Os objetos sutis e observadores faziam com que meu corpo sem controle congelasse de medo. Em todos os lugares, rostos semi-percebidos riam-se de mim; os tijolos, o chão, as nuvens. Vários olhos, sem vida, mas brilhando com uma maliciosa e predatória cautela, pareciam me observar, aparentemente se camuflando quando aproximados por mim.
Conformado com a escuridão constante atrás de mim, eu forçava meus membros a irem pra frente, cada tentativa com um mínimo resultado. Mantive meus olhos fixos à minha frente, vendo apenas o próximo passo, a próxima pedra, nunca olhando para as ilhas de tijolo, flutuando acima de mim, nem para os rostos zombeteiros rindo de minha situação.
Apenas alguns passos a frente de minha jornada, eu congelei, quase recuando pra trás e batendo na parede invisível, ao invés de dar outro passo. Onde antes não havia nada, exceto pela estrada em ruínas, havia agora um outro viajante... Ele cambaleava em minha direção, arrastando-se sob seu próprio peso podre, e minúsculas botas pretas arrastavam-no lentamente ao longo da estrada. Dois olhos vazios e nervosos boiavam em sua massa inchada corporal, fixados em mim com o foco cego de uma mente estranha demais para minha compreensão.
Eu fiquei lá, congelado e sem entender enquanto ele lentamente caminhava em minha direção, seu corpo chiado pouco maior do que o de uma criança. Seus olhos brilhantes estavam fixos em mim, e suas pequenas botas se aproximavam lentamente. Eu não podia me mover. Recuar resultaria apenas na minha eventual captura pelo monstro, mas avançar significaria atravessá-lo, e só o pensamento de tocar naquela... coisa...
A decisão foi tomada por mim, por que a coisa já estava muito próxima, e eu estava preparado para esta ação. Ao horror ou raiva, eu pulei pra frente, gritando sem sentido, e atingi aquele corpo inchado. Eu chutei e pisei nele, esmagando a carne flácida e muito macia debaixo de meus pés, soluçando em horror enquanto sentia sua carne me tocar, e em seguida derreter, apodrecendo ao nada em questão de segundos, mas deixando uma memória tão imunda em minha mente que eu sabia que sentiria todo o peso mais tarde, encharcado contra mim muito tempo depois do doce frio do além.
Depois disso, eu corri. Eu corri e amaldiçoei qualquer destino que havia me trazido até aqui e apagado minha memória, minha vida, e deixado apenas uma estrada: a estrada eterna. Eu teria chorado, teria me amarrado e me jogado em um desses buracos sem fim que havia espalhados por partes da estrada, mas fui obrigado a continuar... Minhas pernas continuavam em um ritmo espasmódico que me impulsionou sobre os tijolos em ruínas e saltando sobre os buracos, apesar de eu querer secretamente cair em suas profundezas e acabar com a estrada, com os rostos, comigo.
Enquanto eu corria e pulava, cheguei a um desses grossos e retorcidos tubos que pontilhavam a paisagem claustrofóbica. Pensei em dar uma olhada por um momento, a curiosidade lutando para superar meu desejo quase maníaco de me livrar deste lugar, mas ao ouvir alguns barulhos estranhos e borbulhantes, juntamente com um profundo pulso baixo vindo do interior desses tubos gigantes, decidi deixar minha curiosidade de lado, e então passei reto do tubo. Assim que sai de lá, senti uma corrente repentina de ar atrás de mim, seguido de um estalo estranhamente abafado, como se barras de ferro envolvidas em algodão tivessem sido colocadas atrás de mim. Eu não me virei, apenas usando isso para galvanizar ainda mais minha caminhada sem fim, ignorando tudo enquanto desaparecia atrás de mim.
Muito à frente, avistei uma escada longa e brilhante, levando a um caminho acima de mim, e além dela o que parecia ser uma pequena casa feita dos próprios tijolos em ruínas, assim como a estrada. Enquanto temia o que poderia estar lá dentro, a idéia de outra pessoa, outra pessoa com a qual eu poderia compartilhar este lugar horrível, me encheu com um grande raio de esperança. Então corri desesperadamente, os olhos fixos na tal escada, e disparei a toda velocidade por cima do buraco. Foi na metade do caminho entre o abismo e a escada que eu vi a coisa me esperando do outro lado.
Era uma paródia retorcida de algum tipo de réptil. Sua face alongada enchia-se com um tom de ameaça, e sua boca bocejava em antecipação do meu chegar ao outro lado, suas bordas irregulares afiadas brilhando como quem estivesse pronto pra atacar. Seu corpo estava equilibrado sobre duas minúsculas e disformes pernas, e ele tinha uma concha de carne dura e quebradiça, que envolvia todo seu tronco bulboso. Dois membros atrofiados se esticaram através de sua concha, revestido em crescimentos fibrosos, e ele lentamente se aproximava de mim.
Eu gritei desesperado, tentando em vão voltar para a borda mais distante, mas já era tarde demais, e meus esforços foram suficientes para fazer com que eu perdesse meu equilíbrio, batendo na parede ao lado do buraco, a coisa acima de mim gritando em frustração enquanto eu caia. Caindo, e caindo, girando em direção a escuridão sem fim, senti a escuridão consumir todo meu corpo. No entanto, segundos antes do vazio poder me fornecer seu consolo final, de repente eu me lembrei...
Estradas intermináveis, lagos de fogo, túmulos em ruínas cheias de ossos podres de animais, formas nebulosas de luzes brilhantes seguindo em direção a escuridão, redes flutuantes de madeira antiga que vagueavam em um céu quente, tudo voltou para mim em um rápido momento: a lembrança de onde eu estava, o que eu havia feito, e sabendo que aquilo iria continuar.
Eu não sei por quanto tempo já fiz isso, nem o que fiz para merecer isso.
Só que devo caminhar nesta estrada.
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